Há um tempo atrás, era feita a queixa na delegacia, decretavam-se as medidas protetivas, instaurava-se o Inquérito Policial e a vítima da violência doméstica a qualquer tempo poderia ir até a delegacia e pedia para se retirar a queixa, que não havia mais interesse em sua continuidade. E era retirada a queixa. Ou mesmo, quando já estava em âmbito judicial se dirigia à escrivaninha da vara ou juizado da violência e fazia lá mesmo sua renúncia.
Bom, mas não funciona mais assim!
Houve mudanças legislativas e limitou as situações em que é possível retirar a “queixa”.
O legislador teve por objetivo, que mulheres vítimas de violência doméstica não fosse coagida pelo agressor a retirar a queixa de forma tão simples.
Hoje é impossível retirar a queixa, seja na delegacia, ou no cartório da vara ou juizado da violência doméstica, SEM UMA AUDIÊNCIA ESPECÍFICA PARA ISSO.
Vejamos o dispositivo na Lei Maria da Penha:
Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.
Para isso, é necessário que de seu Advogado constituído, peticione no processo de violência doméstica o requerimento de designação para audiência de retratação/justificação, momento em que poderá retirar a queixa, ou seja, renunciar ao processo.
Essa audiência é específica para esse fim, não se confunde com outras audiências (conciliação instrução e julgamento), pois sequer haverá a presença do acusado, somente da vítima, seu defensor, juiz e promotor. Vejamos o entendimento do STJ (Superior Tribunal de Justiça):
AGRAVO REGIMENTAL. AMEAÇA NO ÂMBITO DOMÉSTICO. AUDIÊNCIA. ART. 16 DA LEI N. 11.340/2006. RECONCILIAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. SÚM. N. 83. FUNDAMENTO INATACADO. 1. Os recursos devem impugnar, de maneira específica e pormenorizada, os fundamentos da decisão contra a qual se insurgem, sob pena de vê-los mantidos. Não são suficientes alegações genéricas sobre as razões que levaram à inadmissão do agravo ou do recurso especial ou a insistência do mérito da controvérsia, como ocorreu na hipótese.2. E o entendimento do STJ é de que "não basta, para afastar o óbice da Súmula nº 83/STJ, a alegação genérica de que o acórdão recorrido não está em consonância com a jurisprudência desta Corte, devendo a parte recorrente demonstrar que outra é a positivação do direito na jurisprudência desta Corte, com a indicação de precedentes contemporâneos ou supervenientes aos referidos na decisão agravada" (AgRg no AREsp n. 238.064/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Terceira Turma, DJe 18/8/2014).3. No que tange ao crime de ameaça, conforme a dicção do art. 16 da Lei n. 11.340/2006, "nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público", inocorrente no caso dos autos. 4. No caso, consta dos autos que da análise das declarações prestadas pela vítima em audiência de instrução, não há qualquer manifestação da mesma acerca de eventual desinteresse quanto ao prosseguimento do presente feito. Irrelevante, pois, a posterior reconciliação do casal.5. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, AgRg no AREsp 1502008/DF, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 08/10/2019, DJe 14/10/2019)
Por outro norte, é importante ressaltar que no Direito Penal, existem algumas peculiaridades, um exemplo é a tal Ação Penal condicionada ou Incondicionada.
De forma simples, uma ação condicionada à representação é aquela que fica a critério do ofendido representar contra o ofensor, exemplo, quando são cometidos os crimes de ameaça, injúria, calúnia, difamação, os chamados crimes de menor potencial ofensivo.
Já as ações incondicionadas à representação da vítima, são aquelas que, basta que a autoridade tenha conhecimento do crime, e ele irá prosseguir, independente de representação ou não da vítima, como exemplos temos, Lesão corporal, ainda que leve, feminicídio, e outros crimes, pois são de interesse público punir o infrator.
Portanto, se o crime cometido no âmbito da violência doméstica ocorreu crimes que dependem de representação da vítima, poderão, ser retirados em audiência específica para isso, desde que, antes do recebimento da Denúncia.
Caso tenha ocorrido, um crime de natureza incondicionada não há mais como fazer a retratação?
A princípio não!
De toda maneira, deve ser analisado o caso concreto, pois, o depoimento da vítima pode deixar claro que o crime de ação penal incondicionada ocorreu em legítima defesa do suposto agressor, e caso o juízo não aceite realizar a audiência de justificação, na audiência de instrução isso pode ser elucidado.