A transparência e a honestidade em relações interpessoais são mais do que virtudes éticas; elas também podem ter impactos legais significativos. Embora muitas pessoas vejam a infidelidade apenas como um problema moral ou pessoal, o ordenamento jurídico brasileiro pode considerar determinadas condutas como crimes. Uma dessas situações é mentir sobre o estado civil para um parceiro, com o objetivo de obter relações íntimas.
O que diz a lei?
De acordo com o artigo 215 do Código Penal, a violência sexual mediante fraude ocorre quando uma pessoa obtém conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com outra, utilizando-se de fraude ou outro meio que dificulte ou impeça a livre manifestação de vontade da vítima. A pena para esse crime é de 2 a 6 anos de reclusão.
Portanto, ocultar o estado civil ou mentir sobre a própria condição de comprometimento é uma forma de enganar a vítima, que, caso tivesse conhecimento da verdade, poderia não consentir no relacionamento. Essa situação pode configurar a violação da liberdade sexual da vítima, tornando-se objeto de responsabilização penal.
Não se trata apenas de casamento
Engana-se quem pensa que esse crime está limitado às relações conjugais. O conceito de fraude inclui também situações em que a pessoa mente sobre não estar em um relacionamento sério, como um namoro. O ponto central é se a vítima, caso tivesse acesso à informação verdadeira, teria recusado manter a relação.
Vantagem econômica: um agravante
Outro aspecto relevante é a possibilidade de aplicação de multa, caso a fraude seja utilizada para obter vantagens econômicas. Por exemplo, mentir sobre um grande patrimônio material para conquistar outra pessoa também configura violência sexual mediante fraude. Nesse contexto, além da violação da liberdade sexual, há o agravante de buscar um benefício financeiro.
Precedente
PENAL E PROCESSUAL PENAL ÂÂ- APELAÇÃO CRIMINAL ÂÂ- RECURSO MINISTERIAL ÂÂ- VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE (ART. 215, CAPUT, DO CP) ÂÂ- RECURSO MINISTERIAL ÂÂ- CONDENAÇÃO ÂÂ- RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO, À UNANIMIDADE. 1. O direito penal não trabalha com presunções, mas com elementos concretos, sob pena de violação aos princípios da liberdade e do estado de inocência. Precedentes. 2. Para a consumação do crime tipificado no art. 215 do Código Penal, o agente deve se utilizar de fraude (ou outro meio que dificulte ou impeça a livre manifestação de vontade da vítima) com a finalidade de obter o consentimento da vítima para a prática do ato sexual, o que, como consequência, torna esse consentimento viciado, pois, se a ofendida tivesse conhecimento acerca da realidade, não teria aquiescido. 3. Assim, o agente faz uso de fraude, meio ardiloso, estratagema ou outro artifício hábil e astucioso com o fim de manter conjunção carnal ou ato libidinoso diverso, ou seja, o dolo (elemento subjetivo do tipo) consiste vontade livre e consciente de enganar o (a) ofendido (a). 4. In casu, não assiste razão ao órgão ministerial nem à assistente da acusação, uma vez que a relação entre o apelado e a vítima ocorreu de maneira consentida, não se podendo concluir pela existência de ato sexual indesejado nem que (o apelado) tenha empregado fraude ou algum outro meio que impediu ou dificultou a livre manifestação de vontade da adolescente. 5. Os elementos carreados aos autos apontam para a existência de relacionamento amoroso entre ambos (apelado e adolescente) ÂÂ- relação essa, frise-se, construída em intervalo razoável de tempo, como qualquer outro namoro, notadamente ao se considerar que (i) apelado e vítima se conheceram em fevereiro de 2015, (ii) iniciaram o namoro em maio e (iii) mantiveram a primeira relação sexual em agosto do mesmo ano. 6. Colhe-se da doutrina e da jurisprudência que o namoro, noivado prolongado ou simples promessa de casamento não se mostram aptos a caracterizar a fraude prevista no tipo penal. Precedentes. 7. Recurso conhecido e improvido, à unanimidade. (TJ-PI - APR: 00276101120158180140 PI, Relator: Des. Pedro de Alcântara Macêdo, Data de Julgamento: 05/02/2020, 1ª Câmara Especializada Criminal)
Como comprovar a fraude?
Provas podem ser obtidas de várias formas, como mensagens trocadas por aplicativos, gravações, e-mails ou outros registros que demonstrem a omissão ou a mentira. Durante o processo, essas evidências são avaliadas pelo judiciário, e o contexto em que o ato foi praticado também pode influenciar na decisão do juiz.
Prisão: uma possibilidade
Embora o crime permita que o acusado responda em liberdade mediante pagamento de fiança, existem situações em que o juiz pode determinar a prisão preventiva. O tratamento da questão também varia conforme os valores culturais e sociais da região onde o ato foi praticado. Em comunidades mais tradicionais ou religiosas, a gravidade atribuída ao crime tende a ser maior.
Conclusão
Mentir sobre o estado civil é uma conduta que vai além de uma questão ética; ela pode gerar consequências criminais graves. A lei brasileira busca proteger a liberdade sexual e o consentimento informado nas relações. Por isso, é fundamental agir com transparência e respeitar os direitos da outra pessoa.
Caso você tenha sido vítima ou precise de orientação sobre o tema, entre em contato com o nosso escritório. Estamos à disposição para oferecer suporte jurídico e esclarecer suas dúvidas.